O tradicional sonho da carteira assinada parece estar perdendo seu brilho para a nova geração de trabalhadores brasileiros. Segundo a mais recente pesquisa do Datafolha, divulgada em julho, 59% da população prefere trabalhar por conta própria – entre os jovens de 16 a 24 anos, esse índice dispara para impressionantes 68%. Enquanto isso, a preferência pelo emprego formal com carteira assinada caiu de 77% em 2022 para 67% em 2023, refletindo uma mudança silenciosa, porém decisiva, no mercado de trabalho do país. Paralelamente, cresceu o número daqueles que aceitam a informalidade em troca de salários maiores, passando de 21% para 31% em apenas um ano.

Na Bahia, essa revolução é ainda mais nítida, como explica o economista Edval Landulfo, vice-presidente do Corecon-BA. Para ele, a óptica da escolha dá lugar à necessidade diante do cenário econômico regional. “Na Região Nordeste, onde a maioria das pessoas sobrevive com um ou dois salários mínimos, o trabalho por conta própria nasce, muitas vezes, da urgência, do desemprego e da falta de vagas formais. O fato é que, ao ganhar o suficiente de forma independente, muitos jovens já não querem voltar para a CLT,” destaca Landulfo. Ele adiciona que o empreendedorismo daqui nem sempre parte de um plano estruturado, mas de uma improvisação criativa: “Vendem o que sabem, usam uma habilidade e vão à luta para sobreviver.”

Essa informalidade encontra terreno fértil em Salvador, onde a baixa industrialização e a economia fortemente dependente do comércio e do turismo limitam as ofertas de emprego formal. “Quando o turismo encolhe ou o comércio desacelera, a juventude precisa se reinventar rapidinho — e fazem isso com criatividade e tecnologia”, observa Landulfo. Para muitos, a mudança começa com pequenas vendas no bairro e evolui para negócios que ganham musculatura. O economista enfatiza ainda que o contexto familiar influencia essa decisão: famílias com mais recursos incentivam a busca por alternativas, enquanto a carteira assinada permanece um porto seguro para os que vivem mais vulneráveis.

Na mesma linha, o economista Daniel Duque, da FGV, reforça a ideia de que o atrativo do trabalho autônomo é a liberdade — tanto para ganhar mais quanto para fugir da rigidez da CLT. “A CLT ainda é forte para quem tem poucas opções, mas os jovens buscam mais do que um salário, querem propósito e autonomia.” Em Salvador, essa nova onda tem rosto e nome: Matheus Soares, 22 anos, largou o emprego formal para virar freelancer em marketing digital. “A única coisa que perdi foi o medo. Organizo meu horário, trabalho de casa, sem chefe e com renda suficiente,” conta o jovem de Brotas, espelho do que se tornou comum: multitarefas digitais conectados, sem crachá e usando a internet para faturar.

O que era uma exceção concentrou-se numa tendência inegável: a Geração Z está reformulando por completo as regras do trabalho. Para Landulfo, essa transformação é profunda e aponta para um futuro mais digital, autoral e livre: “Os jovens querem crescer e serem donos da própria história — e não enxergam mais a CLT como única saída.” A revolução da autonomia já é realidade nas ruas de Salvador e ecoa pelo Brasil, mostrando que a carteira assinada pode estar com os dias contados.